Francisco Fernandes Lopes, um invulgar médico olhanense - Patrono da Escola Secundária de Olhão
Por Andreia Fidalgo in https://sapientia.ualg.pt/bitstream/10400.1/8744/1/Promontoriaarquivo.pdf
O nome de Francisco Fernandes Lopes encontra-se
invariavelmente associado ao epíteto de “médico olhanense” e, na realidade,
Fernandes Lopes exerceu na vila de onde era natural, Olhão, ... Porém, esse
epíteto fica muito aquém de qualquer qualificação ... dedicou-se ao estudo das
mais diversas áreas do saber, passando pela História, Música e Filosofia, e
soube tomar partido da sua situação de relativo isolamento na vila cubista
algarvia, procurando promover e dar a conhecer as singularidades da sua terra.
Francisco Fernandes Lopes nasceu em Olhão a 27 de Outubro de
1884, ... na rua Coronel Galhardo, rua esta que ainda durante a sua vida recebeu
o seu nome. Na vila olhanense Fernandes Lopes frequentou a instrução primária,
na escola régia aí existente, e realizou com aprovação o exame final a 27 de
Abril de 1893.
Em 1895 prosseguiu os estudos no Liceu Nacional de Faro, onde
frequentou, no Curso Geral, as disciplinas de Português, Latim, Francês,
Alemão, Geografia, História, Matemática, Física, Química e História Natural (as
três últimas numa só disciplina), Filosofia e Desenho – Fernandes Lopes
ter-se-ia distinguido com as melhores classificações nas disciplinas de
Português, Latim, Francês, Alemão e História.
Como o Liceu em Faro era apenas “nacional”, o que significa
que ministrava somente o Curso Geral, Fernandes Lopes ingressou em 1901 no
Curso Complementar do Liceu do Carmo em Lisboa, e no sétimo ano transitou para
o Liceu da Regaleira. Foi aí que conheceu e privou com alguns dos futuros
vultos da cultura e sociedade portuguesa do seu tempo, ... Francisco Pulido
Valente ... Amílcar Ramada Curto.
É o próprio Fernandes Lopes quem declara que durante esse
período a Biblioteca Nacional foi a sua verdadeira universidade no campo das
ciências, letras e filosofia. Aí tinha toda a liberdade para expandir os seus
interesses pluridisciplinares que desde cedo se manifestaram e sempre o
acompanharam e, por isso mesmo, quando chegou a altura de escolher a carreira
profissional a seguir, Fernandes Lopes considerava que estava “a cultura
literária a par da científica” ... ingressando em 1904 na Escola
Médico-Cirúrgica de Lisboa, que em 1911 deu lugar à Faculdade de Medicina da
Universidade de Lisboa.
Concluiu o curso de Medicina em Outubro de 1911, com uma
classificação de 18 valores na dissertação final e o seu mérito académico teria
motivado um convite, logo em 1912, para desempenhar funções de assistente na
recém estruturada Faculdade de Medicina de Lisboa, juntamente com Francisco
Pulido Valente..., mas Fernandes Lopes declinou e instalou-se na sua terra
natal, onde fixou consultório médico e casou, em 1915, com Raquel Pousão Ramos,
sobrinha do falecido pintor Henrique Pousão, e prima do poeta João Lúcio.
Fernandes Lopes prosseguiu ainda os estudos ..., e em 1916
prestou provas de Doutoramento em Medicina, na mesma faculdade onde se
licenciara, com a tese Drogas e Farmacopeia – impressa logo nesse ano –,
aprovada por unanimidade com a classificação de 19 valores.
Com a criação das Escolas Primárias Superiores, ainda nesse
ano de 1919, Leonardo Coimbra endereça novo convite a Fernandes Lopes, para que
ocupasse o cargo de director da Escola Primária Superior de Faro. Desta feita,
e tendo certamente em conta a proximidade entre Olhão e Faro, Fernandes Lopes
aceita o convite18 e ocupa essaposição “durante o tempo que a Escola viveu”, ou
seja, até à extinção desse tipo de estabelecimentos de ensino, em Junho de
192620, aí leccionando a disciplina de História Universal.
Na sua existência passada na modesta Vila de Olhão ... foi
também professor de Francês, História e Ciências Naturais nos Colégios
Restauração e Dr. João Lúcio, em Olhão, professor provisório do Liceu Nacional
João de Deus, em Faro, e durante algum tempo leccionou na Universidade Popular
do Algarve*.
No que respeita a cargos mais directamente relacionados com
a sua área profissional, ocupou os ... ... ... ... ...
É muito profusa e diversificada a obra publicada por
Fernandes Lopes .. três das áreas que maior relevância detêm nos seus estudos:
música, história dos descobrimentos, e a sua terra natal, Olhão. De destacar as
obras exemplares: As Cantigas de Santa Maria do Rei Afonso X, o Sábio, e a sua
música (Faro, 1952); A figura e obra do Infante D. Henrique (Lisboa, 1960), à
qual foi atribuído o 2º prémio no Concurso das Comemorações Henriquinas; ou
ainda o interessantíssimo artigo “Olhão, terra de mistérios, de mareantes e de
mirantes”, publicado no Correio Olhanense de 18 de Março de 1948. Animado pelo
seu “visceral enciclopedismo incoercível”, Fernandes Lopes foi, inclusive,
autor de algumas entradas na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira,
precisamente relacionadas com os três temas acima referidos: “Fado”, “Cristóvão
Colombo”, “Infante D. Henrique”, “Terçanabal”, “Olhão”, entre outras.
Fernandes Lopes escreveu sobre os mais diversos temas, e
colaborou assiduamente em múltiplas revistas culturais, tais como a Seara Nova,
a Brotéria, a Petrus Nonius, a Diabo, a Bracara Augusta, a Atlântico, entre
outras, em jornais diários de Lisboa – Diário Popular, Diário Liberal, Diário
de Lisboa, etc. – e do Porto – O Primeiro de Janeiro, O Comércio do Porto –, e
em jornais algarvios do seu tempo, tais como O Algarve, o Correio do Sul, o
Diário do Algarve, o Povo Algarvio, o Jornal do Algarve, o Notícias do Algarve,
o Correio Olhanense, a Gazeta de Olhão, o Sporting Olhanense, entre
outros. Colaborou também em revistas
estrangeiras, como La Revue Musicale, de Paris, e a Revista de Las Ciencias, de
Madrid, e dirigiu a Afinidades, revista de cultura luso-francesa, publicada
entre 1942 e 1946. Desta revista foram vinte os números publicados, sendo o
chefe de redacção, até Dezembro de 1945 (nº14/15), Lionel de Roulet25, e de
entre os reputados colaboradores destacam-se André Malraux, Jean-Paul Sartre,
Simone de Beauvoir, Adolfo Casais Monteiro, Ramada Curto, Joaquim Magalhães,
João Gaspar Simões, entre outros.
Tudo isto o fez Francisco Fernandes Lopes enquanto vivia em
Olhão, nunca deixando de exercer a sua actividade profissional, com consultório
médico sempre em funcionamento. Tudo isto e muito mais, pois o médico olhanense
levou igualmente a cabo, e com sucesso, diversas actividades culturais em
Olhão, e dedicou-se a promover essa vila, tarefa em que se parece ter empenhado
durante toda a sua vida.
De entre as actividades promovidas por Francisco Fernandes
Lopes em Olhão, há que destacar os concertos de divulgação musical que
decorreram no Grémio Olhanense entre 1924 e 1929 ... Esta iniciativa fez
deslocar à vila olhanense algumas personalidades consagradas do meio musical
contemporâneo, de entre as quais se destacam os maestros-compositores Luís de
Freitas Branco (à época director artístico do Teatro de S. Carlos em Lisboa) e
Ruy Coelho, os maestros Pedro de Freitas Branco e Pedro Blanc, a professora,
musicóloga e crítica musical Francine Benoit, o pianista e compositor José
Viana da Mota e a musicóloga Ema Romero (casada com Luís da Câmara Reis, amigo
de Fernandes Lopes desde os tempos académicos
De Olhão apenas saiu já com 80 anos, indo residir para
Lisboa onde acabou por falecer, ... Mas mesmo ..., já em final de vida, ...
Fernandes Lopes nunca perdeu o entusiasmo pelos seus projectos e diversos
interesses. Num pequeno bilhete dirigido ao então vice-reitor do Liceu Nacional
de Faro, Joaquim Magalhães, datado de 12 de Maio de 1969 – portanto, menos de
um mês (6/6/1969) antes do seu falecimento –, Fernandes Lopes pede ao professor
e seu “querido amigo” que lhe devolva os volumes emprestados das Sonatas de
Valle-Inclán, expressando toda a motivação de os reler.
Igualmente revelador é o testemunho de Botelho Júnior: “Num
daqueles almoços, o Dr. Lopes falou-nos nos seus projectos literários, creio
que se tratava de uma antologia comentada de Bocage, mais adiante manifestou a
vontade de regressar a Olhão e para tanto mandaria restaurar uma das casas que
herdara de seus pais, creio que situada em Piares, para nela se instalar. O Dr.
Anahory ouviu-o com uma ternura comovida, pousou-lhe a mão sobre o pulso e
disse-lhe: “Oh Lopes, eu acho melhor que mandes restaurar o jazigo de família…”
*A Universidade Popular do Algarve foi um estabelecimento
particular de ensino livre que existiu em Faro na década de 20 do século XX.
Era dirigida e mantida por alguns professores do ensino liceal dessa cidade.
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